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Antissemitismo em Marcha Tropical

Não fosse a honestidade intelectual de Andrade Muricy, talvez jamais se viesse a conhecer o longo poema “Marche aux Flambeaux”, o maior exemplo de antissemitismo literário já publicado no Brasil.* Apenas com a edição da Obra Completa (1961) de Cruz e Sousa, o poema, dividido em três seções de tamanhos crescentes, deixou de ser inédito. Ao longo dos 216 versos alexandrinos, desfilam insultos e impropérios submetidos à extrema violência de linguagem.

Marche aux Flambeaux” é um desses raríssimos títulos em língua francesa de que se vale o poeta – já que Cruz e Sousa geralmente mostra preferência pelo latim, de ressonância bíblica e espiritual. O poema não tem qualquer filiação à peça do mesmo nome composta pelo músico alemão Giacomo Meyerbeer (1791-1864), tampouco com a mais modesta do organista francês Félix-Alexandre Guilmant (1837-1911). O antissemitismo do poema, no entanto, está vinculado à tradição européia e, mais propriamente, à francesa, seguindo uma voga que culminou com o debate em torno do Caso Dreyfus, a partir de 1894, e se irradiou em escritores como Alphonse Daudet (1840-1897).1 É possível considerar, assim, que o surpreendente antissemitismo de Cruz e Sousa seja bem mais uma imitação literária do que uma convicção; uma absorção dos clichês e da retórica da perseguição, em vez de um programa político e ideológico. Mas uma análise do poema poderá revelar aspectos significativos e paradoxais do poeta que tanto sofreu o preconceito da raça e da origem.

Na primeira seção de “Marche aux Flambeaux”, com apenas 18 versos, descreve-se o surgimento de uma aurora, aparentemente sem maior relação com as demais seções do poema. Trata-se, mesmo, de uma incongruência, uma vez que a marcha a que o poeta faz referência ocorre geralmente como desfile noturno, para que as tochas acesas causem maior impressão. Tudo leva a crer que Cruz e Sousa entende a idéia de uma marche aux flambeaux bem mais como expressão de caos e delírio, no plano psicológico, do que como impacto visual. Ao final do poema, como se verá, o poeta insistirá na preferência pela exposição dos componentes da marcha à luz do sol. Seja como for, a descrição mesma da aurora, na primeira seção, se caracteriza por tópicos contraditórios: em seguida a imagens de grande violência,

Rompe na aurora o sol que a terra esbofeteia

com látegos de chama, iriando o pó e a areia, (…)

aurora acesa em cor púrpura de cravos

opulentos, febris, ensaguinados, bravos;2

existe uma sucessão de imagens a sugerir o ambiente acolhedor e pacífico, harmônico e feliz:

Na alegria dos tons os pássaros cantando

vão as asas abrindo, entre os clarões rufando,

asas emocionais, que assim dentre clarões

palpitam num fervor de alados corações. (p.362)

Pouco mais resta a notar sobre o estranho intróito, visivelmente expletivo, que Cruz e Sousa escolheu para o seu poema; quando muito, caberia registrar aquelas “asas emocionais”, bela metonímia, tão típica do poeta; e, por outro lado, lamentar o recurso ao kitsch e ao lugar-comum presente nos dois versos finais da primeira seção, de péssimo ritmo:

E no luxo oriental do etéreo Grão-Mogol

como um Baco feliz rubro flamejo o sol. (p.362).

O drama de Cruz e Sousa se expõe cruamente na segunda seção do poema, toda ela dedicada aos “filósofos titãs” que elaboraram a “Ciência fatal”; filósofos que transformaram tudo “num doloroso caos”. O lamento do poeta se converte numa invectiva contra a morte de Deus e contra o império da explicação científica, e pode ser resumida à pergunta formulada por Jean-Paul Sartre: “Si l’Univers se réduit à un désordre d’atomes, sur quoi fonder l’ordre moral?3 Diante das então recentes descobertas científicas, da abolição “da fé, da crença e da esperança”, Cruz e Sousa escreveu um longo poema encolerizado.4 A Ciência fatal é um veneno que se espalhou, ao qual o poeta oferece, pateticamente, um antídoto de versos alexandrinos: uma velha forma contra “novas leis, doutrinas e problemas”.

Para o poeta, filósofos e cientistas devem pagar pelo erro monumental de abalar a fé dos seres humanos e de fazê-los “rudes, egoístas, maus”. São eles os principais personagens do desfile que se aproxima, durante o qual serão expostos à denúncia e à execração. E o poeta Cruz e Sousa, presente à multidão dos que verão passar os condenados intelectuais, aparece, pela primeira vez, em tudo consciente da sua função crítica:

Com toda intrepidez hercúlea de acrobata

vou sobre eles soltar, gloriosa, intemerata,

a sátira que tem esporas de galhardo

cavaleiro ideal que joga a lança e o dardo. (p.363)

É preciso reconhecer que a atitude combativa do poeta não é comum entre aqueles que perceberam a mesma possibilidade de anulação diante da primazia da ciência: muitos foram envolvidos pela melancolia, pelo saturnismo, e preferiram uma renúncia de efeito estético. Diante da ameaça colossal, Cruz e Sousa partiu para o ataque: optou por uma forma de luta ousada na qual sua arma foi a sátira, ou ao menos a provocação. Cabe perguntar, no entanto, quem são exatamente os “filósofos titãs, filósofos insanos” contra os quais o poeta se arremete.

Descobre-se, na leitura de “Marche aux Flambeaux”, a existência de uma construção crescente segundo o qual o assunto do poema parte do ponto mais vago e ruma ao mais específico. Aquela criticável aurora segue até à provável escuridão; e os filósofos, precariamente mencionados, transformam-se, na terceira seção do poema, em judeus, aos quais se vincula a massacrante enumeração de ataques e insultos. A segunda seção do poema é, portanto, apenas uma preparação para a erupção do ódio. Parece importante conhecer o contexto que fez Cruz e Sousa, tão marcado pelos impedimentos da questão racial, absorver os clichês e lugares-comuns que caracterizam o anti-semtismo.

Jean-Paul Sartre, em brevíssima menção ao tema do antissemitismo, reconheceu que o preconceito havia atingido os maiores escritores daquele período.5 Mas, obviamente, o antissemitismo não foi exclusividade dos simbolistas, que aproximaram a morte de Deus e o liberalismo social ao estereótipo do “povo deicida”: sua origem se encontra em textos teológicos e em sermões acusatórios que criaram uma imagem grotesca do judeu, associada não apenas à blasfêmia e ao anti-espiritualismo, mas também à glutoneria e ao canibalismo… Já no século IV, a retórica de São João Crisóstomo (347-407), em suas furiosas homilias, atribuía aos judeus inumeráveis defeitos e vícios, e os expunha a uma vingança sem possibilidade de defesa.

Quando Cruz e Sousa designa os seus filósofos como “apóstolos sombrios” que “lutaram pelo Bem dos Bens contemporâneos!”, está de fato introduzindo, com a possível sutileza, o tema do materialismo ateu. Na análise rigorosa que fez sobre o antissemitismo na poesia de T.S. Eliot (1888-1965), Anthony Julius faz referência à imagem dos judeus livre-pensadores, que são descritos, de modo genérico, como intelectualmente subversivos, anárquicos e céticos.6 O horror de Cruz e Sousa a esses filósofos descrentes e secularizados deve ser o mesmo que o poeta expressou, em Tropos e Fantasias (1885), diante do padre escravocrata, logo denominado de “o abutre de batina” (p.385). Mas o estereótipo do filósofo que nega a divindade, identificado à exaustão com o judeu, alcança dimensões monstruosas até então desconhecidas em sua poesia. No soneto “Judia”, por exemplo, aparecera a imagem erotizada da mulher sedutora, impossível de ser seduzida:

Ah! Judia! Judia impenitente!

de erma e de turva região sombria

de areia fulva, bárbara, inclemente,

numa desolação, chegaste um dia…

(…)

Para alguns corações que ainda te buscam

és como os sóis que rútilos coruscam

e a torva terra do deserto escalvam! (p.82)

Embora de beleza impiedosa, a judia de Cruz e Sousa é branda e suave se comparada à imagem da sexualidade excessiva e da prática da prostituição, que caracterizou o imaginário literário do simbolismo.7 Nada semelhante, enfim, ao bestiário que abre, de modo chocante, a terceira seção de “Marche aux Flambeaux”:

Lobos, tigres, chacais, camelos, elefantes,

hipopótamos, ursos e rinocerontes,

leopardos e leões, panteras acirrantes,

hienas do furor, membrudos mastodontes,

tredas feras do mal, soturnos dromedários,

serpentes colossais que rastejais na treva,

monstros, monstros cruéis, medonhos, sanguinários,

cuja pata esmagante a presa aos antros leva; (p.363)

A desfiguração do judeu pelo grotesco anatômico é um topos comum à literatura anti-semita; o poeta catarinense apenas a amplia pela animalização, seguindo outra tendência não menos comum ao vilipêndio. Não é difícil encontrar, na poesia e na prosa de Cruz e Sousa, o gosto pela violenta caricatura verbal, marcado pela comparação agressiva e depreciativa da figura humana com algum animal. Em geral, os exemplos existentes estão vinculados a um estado de excitação e de indignação moral: é o que já se percebeu na menção ao “abutre de batina”, mas também em outro protesto abolicionista, o soneto “Escravocratas”, no qual o poeta demonstra, igualmente em versos alexandrinos, intensa disposição para o combate:

Oh! trânsfugas do bem que sob o manto régio

manhosos, agachados – bem como um crocodilo,

viveis sensualmente à luz dum privilégio

na pose bestial dum cágado tranqüilo.

Eu rio-me de vós e cravo-vos as setas

ardentes do olhar – formado uma vergasta

(…)

Eu quero em rude verso altivo adamastórico,

vermelho, colossal, d’estrépito, gongórico,

castrar-vos como um touro – ouvindo-vos urrar!

(p.225)

Também é notável, no poeta, a tendência à animalização quando busca criar imagens delirantes e oníricas, e, sobretudo, quando precisa assinalar a natureza impura e a dimensão infernal a que está fazendo alusão.8 Tal processo ocorre, por exemplo, no poema “Tédio”, todo ele uma tentativa de descrever um estado psíquico, do qual se recolhem essas estrofes:

Delírio contorcido, convulsivo

de felinas serpentes,

no silamento e no mover lascivo

das caudas e dos dentes.

Porco lúgubre, lúbrico, trevoso

do tábido pecado,

fuçando colossal, formidoloso,

nos lodos do passado. (…)

Insônia morna e doente dos Espaços,

letargia funérea,

vermes, abutres a correr pedaços

da carne deletéria. (p.115)

Aplicada ao judeu, porém, a animalização ganha o aspecto de monstruoso estigma: trata-se de um modo eficiente para comunicar, com eloqüência, a desumanidade do personagem. Ele se torna suspeito e imeditamente subtraído da sociedade em que vive: ostentando a indefinida fronteira entre o humano e o animal, ele se torna vítima, já não importa se social, étnica ou religiosa. O judeu, violentamente associado a quadrúpedes e a bichos rastejantes, passa a encarnar as piores qualidades e os aspectos arquetípicos que caracterizam, como no trecho de “Marche aux Flambeaux”, os animais em estado selvagem.9 Discretamente, também se insinua no poema de Cruz e Sousa um tema igualmente caro à literatura da sua época, o do judeu como símbolo do Feio.10 No entanto, para além da discussão estética, o que parece sobressair, no poema, é a gratuidade do discurso da perseguição: os judeus são insultados porque se encontram no final de um processo que poderia ser descrito, redutoramente, como o de reação a um questionamento da Natureza e da Fé por filósofos e cientistas que são, enfim, os judeus das sociedades urbanas. Na caracterização do estereótipo, é importante notar que o judeu habita as cidades industriais, onde exercem atividades financeiras e comerciais, apesar de estar deslocado nelas. É o que escreve Cruz e Sousa:

gafentos histriões, ridículos da moda,

que fingis entender Berlim, Londres, Paris,

mas nos altos salões, por entre a fina roda,

meteis sordidamente o dedo no nariz; (p.363)

Coincidentemente, um poeta de notável filiação simbolista, T.S. Eliot, prolongou, no poema “Gerontion”, as mesmas impressões sobre a inadequação dos judeus nas grandes cidades européias:

My house is a decayed house,

And the jew squats on the windows sill, the owner,

Spawned in some estaminet in Antwerp,

Blistered in Brussels, patched and peeled in London.11

Em ambos os textos existe irresistível tendência a denunciar o ridículo e a satirizar uma situação. E, embora não esteja presente no trecho citado, T.S. Eliot também invocou a animalização quando mencionou algum personagem judeu, como demonstra o seguinte trecho de “Sweeney Among the Nightingales”:

Rachel née Rabinovitch

Tears at the grapes with murderous paws;12

Com igual ímpeto deformador, Cruz e Sousa escreve sobre o judeu que expõe ao sol e à sua sátira:

tendes rabo no corpo e dentro d’alma rabo;

nobres de papelão, milionários vândalos

de ventre confortado e rosto rubicundo,

que no torvo cancã no cancã dos escândalos

sois o horrendo espantalho, a ignomínia do mundo; (p.363)

Anthony Julius tem razão ao afirmar que o antissemitismo encontrou, no momento simbolista, um período oportuno para a transmissão dos principais estereótipos e das imagens de perseguição: escritores declaradamente anti-semitas, como J.K. Huysmans (1848-1907), fizeram largo uso da prosa visionária, na qual combinaram a emoção extremada ao uso vertiginoso da metáfora tudo redundando numa combinação da fantasia e da revelação. Também é preciso considerar um aspecto essencial do simbolismo, que consiste na dificuldade de definir os limites entre o mundo real e o imaginário, para qual ainda concorre o uso intensivo da sinestesias. O grande poeta, no simbolismo, é aquele que atinge uma visão delirante e personalíssima do assunto que está tratando.13 É o que acontece com Cruz e Sousa em “Marche aux Flambeaux”: dá-se uma explicação do mundo que é, a rigor, uma reação violenta ao mundo. No poema se encontram, irmanados de maneira sórdida, não apenas os “tábidos judeus”, mas também outros grupos que vêm reunir-se e desfilar: “burgueses que já são bem bons comendadores / e marqueses de truz, com ares de mistério” e “velhacos de batina” (p.365).

Ao final do poema se descobre que o poeta tem consciência de que sua parada não poderia mesmo ser noturna, já que sua intenção é revelar à causticidade da luz solar os vícios e as caricaturas humanas que governam o mundo. Atento para o uso que deve fazer da marche aux flambeaux, essa importação chegada da Europa, o poeta escreve como se estivesse anunciando uma correção:

Mas eu quero assim mesmo, eu quero-vos assim,

em marcha tropical, à crua e ardente luz

que vos seja uma febre indômita, sem fim,

um cautério de pus a vos queimar o pus

venéreo da Moral, (…) (p.366)

Na versão tropicalizada do desfile monumental que acaba de assistir e satirizar, o poeta permite até mesmo que as tochas não estejam acesas:

eu quero-vos assim, de fachos apagados,

apagados, ao alto, os joviais flambeaux,

que os tereis de acender nos campos ignorados

que de sóis de Vingança a Eternidade arou. (p.366)

Lamentavelmente, a marcha que transcorre ao sol não contém qualquer outra novidade em relação a um possível modelo europeu: nela está presente uma crítica à nobreza, mas não, por exemplo, aos escravocratas. A opção pelo período diurno parece representar, assim, apenas um capricho do poeta, que por motivos possivelmente estéticos, tomou a decisão de apresentar a sua sátira à luz dos trópicos. De todas as importações presentes no poema, a mais deplorável é certamente a do antissemitismo, não apenas por sua irracionalidade e despropósito, mas também pela inevitável conseqüência que a divulgação dos estereótipos de perseguição poderia provocar na consciência de um poeta que se defrontou com a questão racial no Brasil.

Praticante de diversos recursos verbais (nem todos, porém, em perfeito equilíbrio), Cruz e Sousa demonstra ser, em sua obra de poeta e de prosador, um dos escritores de maior inconsistência ideológica: percebem-se em sua obra contradições que não pertencem ao processo de tomada de posição ou do esforço dialético. Em geral, os seus versos mais engajados misturam-se a devaneios e a referências necessariamente vagas, num complexo de hesitações e de ambigüidades que é capaz de deixar perplexo o seu leitor. “Marche aux Flambeaux” representa, em si mesmo, um exemplo modelar da aparente falta de consciência para um problema de discriminação. Lembre-se, contudo, que a revolta do poeta teve início quando percebeu que “novas leis, doutrinas e problemas” estavam sendo concebidas por “filósofos titãs” para uma “Ciência fatal”. Como reagir quando o poeta grita, num soneto justamente intitulado “À Revolta”, que se deve “– Trabalhar à luz da idéia nova!…”? É o que se vai ler em seguida, para cúmulo da contradição:

O séc’lo é de revolta – do alto transformismo,

de Darwin, de Littré, de Spencer, de Lafitte –

quem fala, quem dá as leis é o rubro niilismo

que traz como divisa a bala-dinamite!…

Se é força, se é preciso erguer-se um evangelho,

mais reto, que instrua – estético – mais novo

esmaguem-se do trono os dogmas de um Velho

e lance-se outro sangue aos músculos do povo!…

O vício azinhavrado e os cérebros raquíticos,

é pô-los ao olhar dos sérios analíticos,

na ampla, social e esplêndida vitrine!…

À frente!… – Trabalhar à luz da idéia nova!…

– Pois bem! Seja a idéia, quem lance o vício à cova,

– pois bem! – Seja a idéia, quem gere e quem fulmine!… (p.227)

Cruz e Sousa é mesmo um ideólogo confuso e indeciso poeta de um mundo ideal que sente dores ao fazer escolhas entre o passado e o presente que o conformam. Nenhuma idéia, ao que parece, consegue impressioná-lo a ponto de modificar a sua conduta. Talvez tente o poeta, na sua incapacidade para o debate e para a polêmica, sensibilizar o leitor para a importância de uma apreciação estética da idéia. O que não resolve as contradições do poeta, mas torna o seu sofrimento mais sublime.

Brasília, 29 de abril de 2001.

* Ver “Anexo”, p. – .

1 A propósito do notável antissemitismo francês no final do século XIX, deve-se consultar Michael R. Marrus, The holocaust in history (Hanover: University Press of New England, 1987) e o quarto volume do clássico de Leon Poliakov, The history of anti-semitism (New York: Vanguard, 1985).

2 Obra completa (Rio de Janeiro: José Aguilar, 1961), p.361. Todas as referências à obra de Cruz e Sousa se referem a esta edição, pelo que, a partir de agora, apenas indicarei o número das páginas entre parênteses.

3 Cf. Mallarmé – La lucidité et sa face d’ombre (Paris: Gallimard, 1986), p.17. A análise de Sartre também detecta, entre os poetas simbolistas, o surgimento de um “arianismo simbólico” (p.36) e a atitude de recusa em relação ao fim do Ideal (p.37). Não esquece de salientar as condições de extrema pobreza material que caracterizavam a vida desses escritores.

4 “La colère des poètes fut terrible. Les plus violents firent paraître tout à coup leur haine de l’Homme, cet imposteur qui avait le tort immense de n’être pas le fils de Dieu.” Jean-Paul Sartre, Op. cit., p.17

5 “Antisémites, Flaubert et Baudelaire, antisémite Villiers; antisémite, hélas! Mallarmé.” Cf. Op. cit., p.60.

6 Anthony Julius, T.S. Eliot, anti-Semitism and literary form (New York: Cambridge University Press, 1996), p.146-167.

7 Ver, a propósito, Anthony Julius, Op. cit., p.88s.

8 Cf. nota 18 do meu ensaio “As Razões do Emparedado”, p.__.

9 Com respeito à associação com a animalização, consulte-se a sugestiva tese de René Girard, Le bouc émissaire (Paris: Bernard Grasset, 1982), especialmente p.31, p.60 e p.72-73. E também a definitiva menção feita no estudo de Stephen Wilson, Ideology and experience (Madison: Fairleigh Dickinson University Press, 1982), p.485. “In the nineteenth-century France, once again, Jews were identified with vultures, crows, apes, monkeys, hyenas, jackals, foxes, wolves, dogs, goats, pigs, rats, snakes, crocodiles, toads, sharks, worms, locusts, fleas, spiders, slugs, and wasps.” Apud Anthony Julius, Op. cit., p.89.

10 Segundo Sander Gilman, foi lugar-comum da literatura anrtropológica do final do século XIX e início do século XX a certeza de que os judeus não poderiam jamais ser verdadeiramente bonitos. Cf. The jew body (London: Routledge, 1991), p.68-69. Faço a referência a partir de Anthony Julius, Op. cit., p.111-113, que traz ainda muitas citações de livros e de autores que professavam a mesma crença, entre os quais o Hegel dos textos teológicos.

11 Cf. T.S. Eliot, The complete poems and plays 1909-1950 (New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1971), p.21. Cito a tradução de Ivan Junqueira: “Minha casa é uma casa derruída, / E no peitoril da janela acocora-se o judeu, o dono, / Desovado em algum barzinho de Antuérpia, coberto / De pústulas em Bruxelas, remendado e descascado em Londres.” Poesia (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981), p.77.

12 T.S. Eliot, Op. cit., p.35. Na tradução de Ivan Junqueira: “Rachel, née Rabinovitch, espedaça / As uvas com suas garras homicidas.” Op. cit., p.85. O mesmo processo caricatural e tendente à animalização pode ser percebido em poemas como “Burbank”.

13 Cf. Anthony Julius, Op. cit., p.93-9

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