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Apresentação de Claudia Roquette-Pinto

Ezra Pound escreveu que uma obra de arte vale quarenta prefácios e tantas outras apologias. Assim, concluí, melhor seria deixar em paz as orelhas dos bons livros. Mas, temendo que o caro leitor ficasse com a pulga atrás da orelha, acabei contrariando a lógica – o que, de certa maneira, me parece natural no caso de um livro que já começa, pelo título, sugerindo a ideia de avesso.
Ou Vice-Versa é o livro de estreia de Felipe Fortuna, e, como tal, está repleto do vigor de descobertas, marcado pelo impulso de um primeiro tiro, onde certo tom às vezes jovial traduz a vontade de um enfrentamento com o mundo e com o fazer poético (“pequenas rezas não bastam / para a minha rebeldia”). O silêncio, presença constante em sua poesia, é, antes, um emudecimento reflexivo, uma pausa de respiração: face aos mistérios, o poeta emudece “como a ferrugem”, definindo sua criação poética como a medida da distância entre palavra e significado, palavra e vida (“escrevo pela distância que consigo / estender, num varal, da palavra / ao suicídio…”). À beira de uma revelação, de um entendimento que ora lhe escapa, ora consegue alcançar, sente-se à margem de um precipício, de onde não pula porque se redime pela palavra. A ironia, uma característica da poesia de Felipe, e o uso afinado e sutil de paradoxos (“só consigo inventar o que acredito”) são os traços que imprimem vigor às suas ambiguidades, e que, mesclados a uma extrema delicadeza de observação, criam momentos de grande força lírica. Ou Vice-Versa é um livro que fala de solidões: a solidão da consciência, as solidões paralelas da relação a dois, a solidão no amor. O amor, momento de encontro de duas solidões, é também quando os corpos se traem e, mesmo estando lado a lado, parecem feitos de medo e silêncio. Mas há, também, a solidão compartilhada – no amor, pelo encontro amoroso; na literatura, pelo diálogo com outros poetas, seja por referência direta, ou pela demonstração, através da técnica, de sua intimidade com a tradição poética.
Sem cair na estética “rock n’ roll” característica da produção poética da chamada geração Coca-Cola, Felipe Fortuna revela um rigor formal e uma maturidade temática decorrentes de um longo convívio com a palavra. Evitando o superficialismo fácil dos trocadilhos e outros jogos, Felipe não faz poesia engraçada – e sim aquela que provoca no leitor um outro sorriso cáustico. Ou Vice-Versa é a afirmação de um nascimento. E Felipe Fortuna tem toda razão ao anunciar: “Essa aurora é a minha vez”.

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