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Entrevista ao Jornal do Brasil

Jornal do Brasil
Suplemento Ideias
Sábado, 11 de junho de 2005

O AMULETO DA POESIA
entrevista a Alvaro da Costa e Silva

Poeta, crítico literário e diplomata, Felipe Fortuna tem pressa. Aos 42 anos, ele está mandando para as livrarias Em seu lugar (Francisco Alves), em que enfeixou toda a sua produção poética iniciada em 1986 com Ou vice-versa – além deste, houve Atrito (1992) e Estante (1997). A reunião tem prefácio do cientista político Sergio Paulo Rouanet que por si é uma raridade, já que poucas vezes ele se manifestou sobre poesia. “O autor não está olhando para trás, mas para frente, acumulando forças, pela visão do caminho percorrido, para novos voos líricos, cujo caráter sempre incompleto dificulta qualquer balanço”, escreve Rouanet. Nesta entrevista, Felipe Fortuna explica as razões que o levaram a reunir seus livros em idade tão jovem e aponta seus novos caminhos: “Alguns preferem repetir-se, outros declaram fazer poesia de invenção, eu prefiro fazer poemas que possam ser diferentes dos outros que já escrevi. É tudo ilusão, mas cria um método”. Atualmente trabalhando na embaixada brasileira em Londres como adido cultural, Felipe virá ao Rio para o lançamento de Em seu lugar, no dia 16 de junho, a partir das 20h, na livraria Argumento do Leblon, com direito a leituras dos poemas por Gerald Thomas.

– Em seu lugar reúne quatro livros de poesia, quase vinte anos de ofício. O que fez você decidir pela reunião?

– As razões são várias. Estou atualmente escrevendo três poemas longos, algo inteiramente novo para mim, e pensei que era a hora de publicar um quarto livro de poemas e apresentá-lo junto aos demais. E dizer: “Esse aqui sou eu. De agora em diante, será diferente”. Há pouco tempo, um professor escreveu sobre uma declaração que eu havia feito num congresso em São Paulo, há quase 15 anos: “Ainda não sei que novidade me espera; mas sei que, se esta novidade não existir, também não existirá mais a minha poesia”. Alguns preferem repetir-se, outros declaram fazer poesia de invenção, eu prefiro fazer poemas que possam ser diferentes dos outros poemas que já escrevi. É tudo ilusão, mas cria um método.

-Você então está encerrando uma fase e abrindo ma nova?

– Creio que sim. Nos meus poemas reunidos, nada ficou de fora. Já sou bastante seletivo quando componho um livro. Quem ler os poemas, encontrará tudo mesmo, sem omissões. Como sou também crítico literário, me incomoda quando leio uma obra completa em que o poeta retira poemas, modifica inteiramente os versos, funde as partes… E às vezes ainda pretende justificar a sua “emenda pior do que o soneto” com a ajuda de exemplos famosos… Em geral, porém, escrever e corrigir são a mesma coisa, é preciso talento para fazer as duas tarefas de uma só vez.

– E qual é o tema do novo livro?

– Há uma preocupação com a distância. Por ser diplomata, vivo muito tempo fora do Brasil, deixo de viver no Rio de Janeiro, perco amigos. Por outro lado, viajo muito, mudo de cidades, falo e leio outras línguas. Essas experiências transmitem, para o poeta, uma perspectiva enviesada sobre o mundo e o tempo: vejo o meu país de longe, embora trabalhando com ele todos os dias; vivo em país alheio, buscando decifrá-lo, tentando incluir-me nele quando já sou tecnicamente um outsider. E tenho a expectativa de passar apenas um período limitado em cada lugar, como se houvesse uma morte anunciada. Meu leitor já percebeu que estou sempre falando sobre o tempo e a morte. Como escrevi num poema: “Deixo-me aqui, na casa nova, / agora que mudar é uma rotina: / hei de entender os interruptores / e perguntar pela voltagem”.

– Você já percebe uma divisão por fases na sua poesia?

– Não sou capaz de perceber criticamente essa divisão. Obviamente, escrevi a série dos “Poemas para a Aula da Ginástica”, que corresponde estritamente a uma fase da juventude, com sua típica força e seu erotismo. Não estou dizendo que escreverei agora algo sobre levitação ou técnicas de meditação, mas sei que aqueles poemas, assim como o poema “Uma Ouriça”, do João Cabral de Meio Neto, são uma fase mesmo de arrepiar… No final, vira “A Idade da Sevilhana”, onde o poeta pergunta: “Por que só desfilam nas ruas / as verdes ou as mais que maduras?” Enfim, só mesmo dessa maneira é que consigo ver fases na minha poesia, graças ao tempo…

– Mas quais foram as suas influências? Quem você sente mais próximo à sua poesia?

– Está ficando cada vez mais difícil responder a essa pergunta. Todos nós ainda devemos algo a Drummond, que marcará a língua portuguesa como Eliot marcou a inglesa, Valéry a francesa, Guillén a espanhola e assim por diante. Quando lhe falei sobre não fazer um poema igual ao outro estava possivelmente transmitindo um mantra drummondiano, que sugeria “não faça versos sobre acontecimentos”, que escrevia poemas políticos em A rosa do povo, poemas metafísicos em Claro enigma, alguns poemas experimentais em Lição de coisas, e por aí vai. Nunca igual a si mesmo. Creio que isso interessa muito ao poeta. Porém, os escritores costumam listar outros escritores quando falam de influência, mas são muitas as linguagens que podem influenciar. Voltando a Drummond: já pensou na influência de Charles Chaplin na poesia dele? Na influência de Pablo Picasso ou então na influência geral do cinema? Está tudo lá, tenho vontade de escrever sobre esses aspectos. No meu caso, sei que o humor está muito presente. E também uma sensibilidade para as artes gráficas e para a semiótica, que acabou influindo na minha poesia e num livro de ensaios, Visibilidade. Tudo se cruza.

– Especialmente no seu caso, a crítica está sempre presente. Você também escreve ensaios, publica livros sobre literatura… Como convivem o poeta e o crítico?

– Dormimos no mesmo quarto. Gosto muito dos poetas que gostam de discutir poesia, não daqueles que creem na poesia como ato espontâneo ou até irracional. De novo, é necessário falar de Eliot, Valéry… mas também de Auden, e até mesmo de Borges… Como sabiam escrever sobre literatura! Mas essa articulação é sempre complexa. Criam-se ressentimentos quando um crítico faz reservas a um poeta, ainda mais quando o crítico também é poeta… Ficam esperando o livro na porta da gráfica, para revidar. Mas só conseguirão se forem bons críticos. Seja como for, meu interesse é essencialmente poesia É disso que trato sempre nos meus ensaios. E assim parece que será.

– Você está lendo a poesia brasileira feita hoje?

– Estou sim. Creio até que sou dos poucos que escreve criticamente sobre a poesia brasileira de hoje. Já publiquei um livro de textos sobre Roberto Piva, meu estimado neo-surrealista. Também sobre Affonso Romano de Sant’Anna e Armando Freitas Filho, e até sobre um meu contemporâneo, Frederico Barbosa. Tenho interesse pela poesia de Nelson Ascher, possivelmente escreverei algo. Claudia Roquette-Pinto tem escrito uma poesia que precisa ser lida no seu conjunto e alcançou inegavelmente uma linguagem própria. Os leitores de poesia, como sabemos, são quase sempre os outros poetas. E os poetas estão em seus grupos, celebrando-se uns aos outros, mas não se comunicam bem. Não há propriamente debates, e duvido que haja troca de cartas ou de imeios interessantes entre os poetas. Mallarmé comentava as palavras da tribo. No Brasil, eu só conheço as tribos da palavra.

– Então a poesia é necessária?

– Diariamente! E noturnamente também. Um dos poemas de Em seu lugar trata desse assunto, em forma de perguntas: “Por que não preferiu outro amuleto? / por que não se deitou mais cedo e tentou / aniquilar a insônia que persiste / em fazê-lo escritor, por mais que evite?”.

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