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Entrevista ao jornal Verve

Verve

número 42, dezembro de 1992

ffNome completo: Luis Felipe Silvério Fortuna.

Profissão: Escritor e diplomata.

Naturalidade: Rio de Janeiro.

 

 

Leitura de hoje: The savage God – a study of suicide, de A. Alvarez, uma interessante interpretação sobre literatura e suicídio por um autor inglês que tentou matar-se e, não conseguindo, escreveu o livro. La Belle-Époque de l´opium, de Arnould de Liedekerke, um estudo sobre um tema que me atrai há tempos, os escritores que se relacionam com ópio, cocaína, álcool, haxixe et caterva. Na transição para o século XX, creio que a devoção às drogas era bem maior e esteticamente mais complexa do que a ocorrida com os hippies. E Os dentes do dragão, de Oswald de Andrade, um tipo raro na literatura brasileira: o provocador.

Leituras de sempre: Sempre poesia. Poesia sempre. Em todas as línguas que consigo ler e em tradução.

Livros publicados: Ou vice-versa, poemas (Ed. Achiamé, 86). A escola da sedução (Ed. Artes & Ofícios, 91).

VERVE – Transitar da produção de poemas para a de crítica literária pode ser o mesmo que ir de vidraça a estilingue. Ao lidar com a vaidade dos poetas em sua crítica você leva em consideração sua posição de poeta?

Felipe Fortuna – Tudo é vidraça. Ao escrever poesia ou crítica literária, não percebo a diferença intelectual: ambas fazem parte de um mesmo sujeito e surgiram de uma circunstância qualquer. Assim sendo, não creio estar mudando de situação ao escrever uma ou outra. Também não lido com a vaidade dos poetas, lido com os seus livros. Soube até de uma pequena reunião de poetas muito conhecidos que queriam replicar em termos agressivos a uma das minhas críticas, publicada no Jornal do Brasil. Desistiram, porque eu só me detive na leitura dos poemas. Uma leitora, em carta ao Verve, me elogiou porque eu sequer conhecia muitos dos poetas que criticava e divulgava. É que muitas vezes os poemas são mais interessantes do que eles e eu não preciso de convivência para saber se seus livros me agradam. Minha posição de poeta, o que quer que isso signifique, está exposta: mas se fizerem crítica angustiadamente pessoal ou de ventriloquismo verbal, não vale.

VV – O mea culpa de Adélia Prado – quando abjurou em carta ao Jornal do Brasil poemas criticados por você – tornou-o ainda mais contundente ou serviu como uma lição de humildade que a Poesia dá à Crítica?

FF – Escrevi dois artigos grandes sobre a poesia de Adélia Prado: “As Contradições de Deus” (1987) e “Opus Dei, Mea Culpa” (1988), publicados no Jornal do Brasil. Fiz questão, em todos eles, de avaliar toda a sua obra de poeta – que me pareceu surpreendente no primeiro livro e declinante nos demais. Quando ela publicou A faca no peito, indiquei a exaustão, em sua poesia, de alguns temas religiosos, o coloquialismo que substituiu o rigor conceitual dos poemas iniciais e, sobretudo, a impossibilidade de se fazer poesia religiosa ou cristã por meio de uma experiência bem mais catequética do que filosófica. Como afirmei, o resultado era bem mais um mal-estar na civilização do que uma meditação teológica. Mais uma vez, me ative à sua obra e creio que Adélia Prado compreendeu o respeito com que foi tratada. Ela abjurou alguns poemas, mas abjurar é destino dos cristãos. De minha parte, não houve contundência: houve um diálogo crítico, uma reavaliação e um bom momento intelectual, muito raro no Brasil.

VV – O jornalismo cultural, à maneira do político, também é um instrumento de poder, com seus mecanismos de lobby, censura e autopromoção. Você, que já colaborou em alguns jornais, percebe diferenças entre a grande imprensa e a imprensa alternativa?

FF – Talvez o colaborador sofra menos pressão do que o jornalista: o colaborador está em casa, o jornalista na redação, recebendo ordens do editor e telefonemas das mais variadas pessoas. A escola da sedução demonstra uma certa mutabilidade do colaborador: publico ensaios em diversos jornais, da grande imprensa ou não, mas eles têm quase sempre as mesmas dimensões e a mesma intenção crítica. Reconheço, porém, que num grande jornal o impacto da crítica é maior: vetaram pelo menos um artigo por o poeta ser muito amigo do editor, que preferiu fazer uma “matéria” – sem publicar crítica alguma. Outro poeta, que também era jornalista, pediu para que não publicassem o meu artigo sobre seus livros. Resultado: publiquei-o em outro jornal. Atualmente, acho muito curioso quando essas pessoas escrevem sobre liberdade de imprensa. Reclamam da censura ou de alguma arbitrariedade. Aprendi que, mesmo em um país de analfabetos e mesmo em se tratando de um produto sofisticado como a poesia (ou talvez por isso mesmo), há uma luta literária, cuja moral é esperar que o livro não seja comentado por quem se dedica, justamente, a comentar livros, sem qualquer outro engajamento.

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