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Entrevista sobre Visibilidade

Entrevista – Visibilidade (2000)

Editora Record

O poeta e diplomata Felipe Fortuna se diz marcado por uma “compulsão interpretativa”. Essa compulsão permeia os 22 ensaios do livro Visibilidade – Ensaios sobre imagens e interferências, lançado pela Editora Record. São oito textos inéditos e 14 publicados em grandes diários como Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Gazeta Mercantil, nos quais o autor disseca e analisa manifestações culturais não-literárias. Filho do consagrado cartunista Fortuna, Felipe dá vazão ao que chama de “obsessão com a imagem” tratando de assuntos tão diferentes quanto as imagens escolhidas para figurar numa cédula de dinheiro, a campanha política de seios desnudos da atriz Cicciolina, computadores, cartuns, publicidade e TV. O resultado é surpreendente. Ou, como o próprio autor diz na introdução de Visibilidade: “Alegro-me agora, ao perceber como são atuais as interpretações escritas sobre fatos relativamente remotos”.

Os ensaios de Visibilidade foram escritos há algum tempo e publicados em jornais. Como foi revê-los e reuni-los no formato de um livro?

Foi um teste para saber se os ensaios continuavam atuais, se haviam perdurado. Minha intenção, com Visibilidade, era descobrir qual o mito que se escondia atrás de uma notícia. Pude, assim, estabelecer relações entre o erotismo e o poder ao comentar a figura de Cicciolina, atriz pornô e, por um tempo, parlamentar italiana. Também analisei as cédulas, atualmente desvalorizadas e fora de circulação, que traziam as imagens de escritores brasileiros famosos e propus que se fizesse uma reflexão sobre a arte e  o dinheiro.

Os textos do livro sofreram alguma adaptação para a atual publicação?

Revi alguma parte do material publicado em jornais, pois muitas vezes limitei o tamanho de um artigo em função do espaço que deveria ocupar. Mas não houve adaptação.

Você tem uma carreira como poeta e seu recente Curvas, ladeiras é uma descrição afetiva do bairro carioca de Santa Teresa. O que o motivou a publicar agora uma coletânea de ensaios?

Talvez tenha sido uma obsessão com a imagem. Repare que tanto o livro  sobre Santa Teresa quanto Visibilidade trazem fotos e referências a  lugares específicos e a imagens. Sou certamente um poeta mais impressionado  pela imagem, em geral estática, do que pelo som ou pelo tato.

Essa obsessão com a imagem pode representar alguma influência do trabalho de seu pai (o cartunista Fortuna)?

Sim. Como eu dizia, existe de fato uma obsessão com a imagem em Visibilidade. No livro, eu analiso desenhos humorísticos de Borjalo e  Quino, entre outros. Na biblioteca de meu pai havia livros de humor e de  desenho em quantidade e eu fui provavelmente muito influenciado pelos  trabalhos de Millôr, Steinberg e André François — que ele admirava muito. Existe nos desenhos humorísticos uma aproximação com a poesia que me parece  evidente: o uso de uma linguagem ambígua, subliminar, provocadora. Uma  linguagem quase sempre muito depurada, talvez sofisticada na sua intenção de  provocar o riso e a emoção.

Muito do livro é também comentário sobre a TV. Gostaria que você fizesse algumas considerações sobre este meio onipresente.

Visibilidade pode ser considerado um livro de ensaios sobre temas  não-literários. Na cultura contemporânea, nem mesmo o cinema conseguiu fixar  o poder da imagem de maneira tão duradoura: são anúncios, programas de auditório, de música e de entrevistas que se guardam na mente das gerações  de telespectadores. Ao mesmo tempo, como saliento num dos ensaios, a arte da  televisão é uma arte da mentira — sem que nisso exista qualquer julgamento de valor. Acontece que a televisão de fato falseia a informação, reorganiza fraudulentamente o espaço: um livro como The age of missing information, de Bil McKibben, examina a maneira como as maiores cadeias de televisão  transmitem os acontecimentos de um único dia, e chega a conclusões  deprimentes sobre o que significa, atualmente, tratar da informação.

Como relaciona o fato de comentar o Brasil e ser diplomata, trabalhando longe do país?

Penso no Brasil todo o tempo. Como objeto e como sujeito de pensamento. O Brasil real, virtual, oficial. A distância, como se sabe, afina muito a  percepção, acaba salientando o essencial. Viver em lugares com outra língua e outra cultura produz a inevitável comparação: força-me a buscar a origem  de um erro, a entender de maneira mais contundente o que significa ser  brasileiro. Em Visibilidade, há um texto sobre os obituários dos jornais  britânicos, que transmitem uma recepção do mundo muito peculiar, além de  uma convivência específica com a morte. Foi escrito lá mesmo, em Londres, onde eu lia sobre as mortes do traficante Flávio “Negão” e do guia espiritual Frei Damião. Recentemente, o obituário do compositor Carlos Cachaça aponta para um reconhecimento da arte brasileira bastante raro.

A introdução do livro fala em compulsão interpretativa…

A “compulsão interpretativa” é o desejo de querer compreender tudo, de propor uma interpretação para cada imagem vista. No universo de imagens instantâneas, é natural que a interpretação também queira dar-se a uma velocidade tão rápida quanto a das próprias imagens. Acredito que a sociedade contemporânea e urbana tenha características de uma  profunda ansiedade provocada muitas vezes pela vontade de interpretar a confusa quantidade de mensagens que produz.

E o conceito de desatualizar a notícia, também citado na introdução? você considera que algum assunto do livro envelheceu?

Quanto à ideia de “desatualizar” a notícia, acredito que assuntos mais datados e perenes se confundem: como pode ser verificado, a televisão sofre uma evolução perceptível — como móvel, como tecnologia (de preto e branco para cores e para tela de cristal líquido), como inserção na vida das pessoas. Também o computador, cujo processador parece evoluir a cada hora, não parece tão perene. Assim, considero que tratei  conscientemente todos os elementos presentes em Visibilidade como formas datadas.

Até num assunto como computador, no qual as informações ficam rapidamente obsoletas?

Não creio que os textos sobre informática se tornem  obsoletos: afinal, trato de assuntos como a memória das CPUs e também do bug do milênio, que são etapas técnicas. O que mais me interessa é conhecer  quais as repercussões desses problemas na vida dos usuários.

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