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Jornal do Brasil 18 dez 1998

Jornal do Brasil
Caderno B
Sexta-feira, 18 de dezembro de 1998

UM LIVRO COM O CHARME DE SANTA TERESA

O bairro não tem cinema nem transporte público depois das 23h30, é cheio de ladeiras íngremes e não compartilha do símbolo máximo da carioquice: a praia. O charme secreto de Santa Teresa, que o escritor Rubem Braga classifica como “um dos lugares que menos existem”, é quase incompreensível para os que não dedicaram mais do que algumas horas às ruas sinuosas do bairro, mas se torna evidente no livro Curvas, ladeiras – Bairro de Santa Teresa, que o escritor Felipe Fortuna lança hoje, às 20h, na Livraria Dazibao (Rua do Catete, 314).

Espécie de livro de memórias disfarçado de guia, Curvas, ladeiras não dá dicas a visitantes ou endereços de points. “É um guia sentimental e lírico do bairro”, resume Felipe, que passou mais de 20 anos em Santa Teresa, desde o nascimento, em 1963, até a mudança para Brasília, em 1989. Mesmo com o foco do livro no próprio bairro e nas memórias de Felipe, há espaço para seus principais personagens, ilustres ou não. Desfilam pelas páginas de Curvas, ladeiras artistas que escolheram morar nessa Montmartre carioca, como Manuel Bandeira e Djanira e o próprio pai de Felipe, o cartunista Fortuna.

Mas o principal recheio do livro é mesmo a paixão de Felipe pelo bairro, filtrada por suas lembranças de infância e adolescência. “Sempre que fico no Brasil, volto lá”, conta. Hoje um diplomata da embaixada brasileira na Venezuela, Felipe vive a milhas de distância do bairro, mas carrega as marcas da convivência de mais de duas décadas. “Assim como o Recife marcou a escrita de Manuel Bandeira ou Itabira a de Drummond, Santa Teresa também influi na maneira de agir e pensar das pessoas”, afirma. Felipe conta no livro, por exemplo, como o isolamento do bairro, incrustrado em uma das maiores altitudes do Rio, o levou a se refugiar na leitura e, mais tarde, na escrita.

Ironicamente, a distância foi a força motriz para a declaração de amor a Santa Teresa. “Estava em Londres na época. Para mim, era uma cidade estranha em um país estranho”, conta Felipe, que, então, se voltou para a familiaridade de seu bairro de nascimento. Partindo de sua biblioteca particular, da qual não se desgruda mesmo em suas constantes viagens, Felipe começou a pesquisar sobre o passado do bairro e a Santa Teresa retratada na obra de alguns autores. “Terminei tudo em cerca de quatro meses”, diz Felipe, que também se encarregou das 30 fotos que ilustram o livro. “Foi bom porque o livro ficou mais pessoal”, diz.

A Santa Teresa que emerge das páginas de Curvas, ladeiras é multifacetada: em certos momentos histórica, em outros pitoresca, ora geográfica, ora sentimental. Em um dos capítulos, Felipe conta como todo o bairro se construiu em torno de um aqueduto, que até há pouco tempo dava nome a sua rua principal. “Era no Morro de Santa Teresa que os negros quilombolas ficavam. Eles eram Acusados e quebrar a canalização para beber água”, conta o autor, que atualmente assiste ao ressurgimento do bairro como ponto de encontro da juventude carioca. “Espero que se redescubra essa vocação boêmia. Lá é muito agradável e o ar sempre mais fresco”, descreve.

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