O GLOBO
Suplemento Zona Sul
Quinta-feira, 24 de dezembro de 1998
UM BONDE SEMPRE NO TRILHO DA MEMÓRIA
O poeta Felipe Fortuna lança livro em que dá forma às saudades do bairro onde viveu 26 anos
J. Figueiredo
Numa de suas deliciosas crônicas, Rubem Braga afirmava que “Santa Teresa é um dos lugares que menos existe” e confessava o seu remorso por nunca ter morado lá. Em seu sexto livro, Curvas, ladeiras – bairro de Santa Teresa, o poeta e diplomata Felipe Fortuna apresenta mil motivos para se dar razão ao mestre Braga e a todos que cantam s encantos do bairro.
A obra dá forma às memórias de Fortuna sobre os 26 anos em que viveu no bairro e a muitas informações históricas vasculhadas por ele. O diplomata – que atualmente trabalha na embaixada brasileira em Caracas – conta que a ideia de escrever sobre Santa Teresa surgiu em 1994, pouco tempo depois da morte de seu pai, o jornalista e caricaturista Fortuna.
– Estava em Washington, a caminho de Londres, quando ele morreu. A partir daí, fui tomado pela sensação de como seria estranho voltar ao Brasil mais tarde e saber que não encontraria mais meu pai. Este novo livro nasceu da memória de meu pai em Santa Teresa – explica o escritor de 35 anos.
Pelas páginas de Curvas, ladeiras – que acaba de chegar às livrarias – o leitor descobrirá que não é de agora que o bairro seduz os artistas. Fortuna cita comentários sobre o local feitos por escritores como Machado de Assis e Manuel Bandeira, que viveu na ex-rua do Curvelo, hoje rua Dias de Barros.
– Bandeira exaltava Santa Teresa. Uma vez escreveu “a província a dez minutos da avenida Rio Branco. Não é delicioso?”. Sempre me orgulhei dessa forte atração que o bairro exerce sobre os artistas – diz.
Dividido em cinco partes, o livro trata primeiro da história local, para depois se dedicar às muitas características – arquitetônicas e topográficas, por exemplo – que diferenciam Santa Teresa dos demais bairros da cidade.
O autor lembra com saudades de antigas rotinas suas em Santa Teresa, como as viagens diárias de bonde até o antigo prédio da Faculdade de Letras, na avenida Chile.
– Centenas de livros foram devorados dentro deles – afirma Fortuna, que já escreveu três livros de poesia e um de crítica literária, além de traduzir para o Português poemas da francesa Louise Labé.
Ele sabe que, por decisões do Itamaraty, muitos endereços ainda o aguardam depois que ele sair de Caracas. E aposta como chegará ao último deles: de bonde.
MOTORNEIRO: Para o autor,
a figura do comandante de bondinhos
colabora para reforçar nos moradores
a vaidade de morar num bairro diferente
dos demais.
ENDEREÇOS: a topografia de Santa
Teresa influenciou a construção de casas
nas suas encostas de prédios e casas com
andares abaixo do térreo. “Quem não
conhece Santa Teresa estranha que num
edifício existam, por exemplo, um
apartamento 202 e outro S202.”
PRAIA: Santa Teresa, segundo Fortuna,
vai de encontro ao estereótipo que a maioria
dos brasileiros e turistas têm de que o Rio é
praia. As curvas e ladeiras do bairro (fotografadas
até a exaustão pelo autor, que, inclusive,
publica no livro algumas delas) e o verde do
Maciço da Tijuca seduzem todos os visitantes.
BIBLIOGRAFIA: Na obra, Fortuna
publica uma lista de livros sobre a história
e os personagens de Santa Teresa.