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Modos de morrer

1.
A dor aumentou, como se
uma vespa, em vez de voar, roesse.
O corpo inteiro foi arado
pela dor, à esquerda do peito:

irradiando um som que não há,
embutido. Cada batimento
abandonava a respiração.
Tudo lhe pareceu sacrifício.

Morreu sem conseguir o grito:
ninguém lhe tocou a pele e nada
se alarmou. Quem o viu caído
murmurou ataque cardíaco.

2.
Descobriu que o corpo, do
mesmo modo que os rios
e os encanamentos, possui
tráfegos, fluxos intensos:

que suas águas carregam partes
do corpo, e um pouco
apodrece pelo caminho.
No seu caso, o sangue foi veneno:

o alimentou de morte todo o tempo.
A mão não se ergue, e é pequena
toda a força. O câncer vai expulsá-lo
por dentro, mordendo-o.

3.
No chão, manchando o chão,
seu rosto em posição errada
e todo o corpo porejante
e deitado violentamente.

Ele foi paralisado. Ao atravessar,
sentiu num segundo que era caça:
a luz dos faróis cravou em sua roupa
a manhã adiada. Mais nada.

Sobre o asfalto, pedestre,
o seu atropelamento aconteceu
quando parecia correto
não chegar cedo, mas chegar perto.

4.
Aos poucos, o sono, agulha
de uma dormência. O corpo
anoitece, igualmente, na calma
de lençóis que faz a cama.

Não lhe parece diferente
cada segundo antes que durma:
nenhuma lembrança, nenhuma
insônia que acenda a luz.

A noite, mais tarde, se transforma
numa espécie de asfixia:
respiração amputada que lhe fez
morrer no sonho, enquanto dormia.

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