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Resenha de Duílio Gomes

O ESTADO DE MINAS

Domingo, 30 de julho de 2000.

 

ENSAIOS DE FINA IRONIA

Felipe Fortuna aborda temas contemporâneos que sempre estiveram presentes na vida brasileira

 

Duílio Gomes

O prosador e poeta Felipe Fortuna, autor de A escola da sedução e tradutor da escritora francesa Louise Labé (Amor e loucura), está com livro novo na praça. Visibilidade, lançado pela Record, reúne 23 ensaios não acadêmicos sobre aquilo que o autor chama de imagens e interferências, incluindo aí a televisão. A TV, como a maior produtora de imagens e hoje quase um novo membro da família, inspira Felipe Fortuna no que ela tem de pior e de melhor. Mas os ensaios não-literários, que abordam temas que vão da atriz pornô italiana Cicciolina às imagens de escritores nas notas de cruzado e cruzeiro, saem também das notícias de jornal. O livro é todo atraído pelo discurso da imagem.

Mesmo calcado em Merleau-Ponty e Umberto Eco, o livro de Fortuna envereda para o humor e a comicidade. Com raras exceções. Quando ele escreve sobre pivetes, por exemplo, o que aflora é a perplexidade diante do descaso dos governos. Ele pesquisou e descobriu que João do Rio já escrevia sobre pirralhos abandonados no Rio de Janeiro do princípio do século. A recém-fundada República fazia vistas grossas para o. fenômeno, dando o mau exemplo aos governos seguintes. O resultado está hoje, em forma de violência, nas ruas e entulhando os presídios. Gerações de meninos abandonados se reproduziram nas ruas sob a indiferença das autoridades. A palavra pixote, ensina Fortuna, vem do chinês e significa “não sei”. Muito a propósito!

É ainda na rua que Fortuna busca assunto para mais um ensaio não-literário. Os pichadores, ou grafiteiros, para ele não estão apenas sujando os muros e os prédios públicos. Estão fazendo “aeroarte”. Vândalo ou artista, o jovem que sai de madrugada munido de spray despolitiza a mensagem e se comunica com o mundo. Faz “arte pop” sem saber o que é isso. Suja sem autoridade mas com autoria. O grafiteiro não anda, escala. Sua arte é hermética e cheia de tensão; como o estresse das ruas nas grandes cidades. Até um respeitável senhor, Pietro Maria Bardi (quando dirigia o Museu de Arte de São Paulo) e um artista, plástico de renome internacional, Aldemir Martins, grafitaram muros paulistanos como protesto contra a sujeira dos candidatos políticos – sujeira aí entendida como outras pichações e cartazes político-partidários poluindo visualmente a cidade de São Paulo.

Tudo serve de tema para Felipe Fortuna: a precariedade, a eloquência, a coisa forjada ou a incoerência dos políticos. Tudo serve como medida para a sua ironia fina. Uma incoerência política, por exemplo: quando o governo federal resolveu homenagear escritores, artistas e políticos nas cédulas de cruzados e cruzeiros, não atentaram para a sutileza que algumas dessas celebridades possuíam com relação ao dinheiro. Mário de Andrade vivia reclamando do miserê de seu salário de professor. Machado de Assis, estampado na cédula de mil cruzados, era o maior crítico da sociedade burguesa do século XIX e fez um personagem seu (Damasceno, de Memórias póstumas de Brás Cubas) ganhar apenas “o necessário para endividar-se”. Rui Barbosa, na nota de 10 mil cruzeiros, é outra ironia. Quando Ministro da Fazenda, emitiu papel moeda aos montes, provocou especulações, inflacionou o país e, pressionado pela opinião pública, renunciou ao cargo.

Visibilidade deve ser lido com espírito armado. É que o espírito da graça paira sobre ele. Sobre essa “caverna de mitos contemporâneos”, no entender do jornalista Mário Pontes.

 

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