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Resenha de Paulo Bentancur

RS
Fevereiro de 1992
UM QUASE PERFEITO PAINEL DE POETAS
Paulo Bentancur

Felipe Fortuna tem cultura, tem estilo e tem método. Considerando-se seus 28 anos, é o máximo que se poderia pedir a um ensaísta. A escola da sedução (Editora Artes & Ofícios) é sua estreia no gênero, já que Fortuna lançara um livrinho de poemas em 1986 (Ou vice-versa).

“Ensaios sobre poesia brasileira” é o subtítulo de A escola da sedução, confirmando, afinal, que se Felipe vai do verso à prosa com segurança, o objeto de seu interesse é um só: o poema. Poema e poetas, o que não é o mesmo. No caso de Olavo Bilac, por exemplo, texto que abre o volume, temos um perfil raro do parnasiano e nacionalista: seu humor. O Patrono do Exército e Príncipe dos Poetas Brasileiros, Felipe nos adverte, não era só isso: além de impecável versejador, revelou-se um profissional capaz de produzir poemas de encomenda onde a glosa, o mais escancarado sarro político e a ferina pornocinematografia (já apontada por Mário de Andrade) caíam como uma luva numa sociedade que os estava merecendo.

Essa espécie, se não novo perfil, pelo menos perfil renovado, é o que também Felipe nos oferece de João Cabral de Melo Neto. Agora é o erotismo que povoa as imagens secas da geografia cabralina. A poesia do pernambucano é uma interminável descrição da paisagem desértica quase imóvel de um mundo de miséria e pouquíssima redenção. Mas a poesia de João Cabral, ao desenhar o canavial, a “savana muda” ou a “caatinga tolhida” toca-as com uma sensualidade crua e direta, onde não há namoro, não há tempo ou aclimatação para o amor, mas a paixão se dá fulminante e pura carne.

Nem só de ilustres em suas faces raras se faz o livro de Felipe. Também novos rostos (Duque-Costa) são mostrados com nitidez. E mais: Manuel Bandeira e sua conciliação de pureza do verso clássico com as rupturas do moderno; a construção política do prosaísmo versificado de Affonso Romano de Sant´Anna; a força e a legibilidade de Armando Freitas Filho; a poética epigramática de José Paulo Paes; e a visão barroco-surrealista do anarquismo de Roberto Piva. Nem tudo é celebração. Às vezes Felipe baixa o pau. No primarismo político e poético de Thiago de Mello; na anódina e superada Henriqueta Lisboa; na concepção condenada da poesia “atemporal” de Ivan Junqueira.

Temos ainda a tradição intertextual e filosofante de Marly de Oliveira; a poesia aquática e de versos curtos de Olga Savary; as contradições e infantilismos da religiosidade e do personalismo de Adélia Prado (numa rara crítica à aujtora de Bagagem); e o olhar a decadência e o derradeiro com imagens ainda assim renovadas em Pedro Paulo de Sena Madureira.

E ainda: “Um Animal Noturno: o Poeta Simbolista”, onde o Simbolismo e seu imaginário são vasculhados com competência e seriedade. Este ensaio, aliás, tema da capa do livro (um sapo sobre uma página escrita), não só é o melhor do volume como demonstra até onde Felipe pode chegar. Nos demais trabalhos citados sempre se mostra mais a satisfatória anotação crítica do que o desenvolvimento para além do satisfatório. Provavelmente porque quase todos foram redigidos sob encomenda para suplementos literários, artigos antes de ensaios, submetendo-se assim às coningências exíguas dos prazos e espaços em jornal.

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