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Trecho do livro Curvas, Ladeiras – Bairro de Santa Teresa

Um lugar onde não existe sinal de trânsito, nem Correios, nem posto de gasolina, nem agência bancária pode ser um bairro. Nenhum livro escolar de Geografia definiria assim o bairro em que vivi, e muito menos saberia avaliar o que se perde quando não se vive ali. Santa Teresa não faz muito sentido para os cariocas. Quase ninguém passa pelo bairro, a menos que esteja a turismo, ou à procura do caminho para o Corcovado, ou então perdido. Muitos motoristas já pararam seus carros ao meu lado e me perguntaram para que lado fica o Silvestre, como se faz para chegar à Vista Chinesa, qual o caminho para o Largo do Guimarães. E sempre me pareceu muito fácil chegar a esses lugares, pois o bairro é quase todo formado ao longo de uma só rua comprida. Basta seguir reto, para cima ou para baixo. Quando eu dizia aos meus colegas de colégio que morava em Santa Teresa, eles quase me perguntavam como era viver fora da cidade, o que era um bonde, e talvez não se sentissem estimulados a me convidar, dada a distância, para uma festa em Copacabana ou Ipanema. Viver no bairro era sentir um grande isolamento, um alheamento das pessoas que conhecia.

Em Santa Teresa, a melhor forma de saber onde está o resto da cidade é olhar pela janela. Lá em casa, meu pai me chamou um dia para contemplar, junto com ele, a paisagem do Rio de Janeiro. Quase toda a Zona Norte da cidade, do Morro do Andaraí até a Ponte Rio-Niterói, incluindo o Estádio do Maracanã, passa através da janela da minha casa – e passa de uma só vez. Diante de toda aquela gravura de casas, de carros, de fumaças, da Igreja da Penha e da Serra do Mar, de lugares cujos nomes só saberia bem mais tarde, meu pai me ensinava a contemplar. E, para ele, era importante ver na cidade uma ideia social. Ele me dizia: “Essa paisagem é boa, porque podemos olhar os carros correndo nas ruas, as pessoas andando a pé, tudo ao mesmo tempo. Nós nunca estamos sozinhos, mesmo quando estamos aqui no alto: há sempre alguém trabalhando”. Não sei bem se a ideia de meu pai era a de transformar a contemplação em comício ou de, simplesmente, me transmitir a poderosa sensação de viver naquele bairro de onde se via quase todo o funcionamento da cidade, lá embaixo. Santa Teresa é praticamente uma janela. Viver no bairro é fácil, assim como ver do bairro. Quando vou a alguma livraria em busca de estampas antigas, costumo encontrar “O Aqueduto da Carioca Visto da Ladeira de Santa Teresa”, como desenhou Rugendas, “Vista da Cidade Tirada do Convento de Santa Teresa”, do Barão de Planitz, ou qualquer outra imagem a indicar um bairro ideal para posicionar o cavalete.

O tempo vai passando e eu começo a perceber que em Santa Teresa se leva uma vida que modifica o corpo de maneira especial. Ver é uma delas. A outra é andar. O quanto pode um bairro fazer parte do corpo de uma pessoa?

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